Impasse em estatal leva a desperdício de bolsas de plasma

Na Hemobrás, há risco de desperdício de R$ 40 milhões em bolsas de plasma nos próximos dois anos.

BRASÍLIA – Um conflito entre o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com a direção da estatal de sangue do País, a Hemobrás, pode provocar o desperdício de R$ 40 milhões em bolsas de plasma nos próximos dois anos. O impasse teve início em 2017, quando o deputado Ricardo Barros estava à frente da pasta e não dá sinais de trégua.

Na época, uma portaria foi publicada e retirou os poderes da estatal para gerir o processamento do plasma, a parte líquida do sangue que, quando fracionada, é usada em pessoas com queimaduras, hemorragias, com sistema imunológico fragilizado e também para pacientes com deficiência de coagulação.

O complexo da Hemobrás na cidade de Goiana, em Pernambuco

Foto: Reprodução/Hemobrás (31/08/2015) / Estadão Conteúdo

Sem poderes para atuar, a estatal limitou-se a armazenar o produto que já havia chegado ao complexo, instalado na cidade pernambucana de Goiana. Para evitar custos de armazenamento em câmara frias, parte dos hemocentros estaduais passou a incinerar o plasma que não foi usado.

Não há estimativas de quanto se perdeu desde então. De acordo com o hematologista Dimas Tadeu Covas, médico e diretor do Instituto Butantã, cada litro de plasma custa no mercado internacional US$ 70. “Estimamos que a coleta no Brasil seja de aproximadamente 800 mil litros de plasma por ano.”

Desde a portaria, o Ministério da Saúde não contratou empresa para fracionar o plasma e transformá-lo em albumina, imunoglobulina e fatores VIII e IX nem mesmo resolveu o impasse sobre a coleta do plasma nos hemocentros. O problema se agrava. Estoques dos produtos derivados do plasma se esgotaram e os Estados de São Paulo, Pernambuco, Rio, Minas e Rio Grande do Sul passaram a ter desabastecimento.

Questionado, o ministério informou estar em andamento um pregão internacional para a contratação da empresa para realizar o fracionamento do plasma estocado. Mas não informou quando o processo começou ou em que estágio está o procedimento. Disse ainda que uma compra de imunoglobulina humana foi feita para abastecimento dos Estados e que uma segunda remessa deverá chegar esta semana.

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

Há dez dias, integrantes da Hemobrás e do Ministério Público Federal reuniram-se com Mandetta para tentar acabar com a crise. O encontro foi suficiente apenas para o ministro informar que nada seria feito enquanto a diretoria da Hemobrás fosse mantida. “Não houve tempo nem mesmo de debater”, afirmou a procuradora da República Sílvia Regina Pontes Lopes.

Diante do impasse, a procuradora recomendou ao Ministério da Saúde a publicação imediata de portaria que reestabeleça as atribuições da estatal. “Estamos assistindo a um desperdício de recursos e vendo queixas de desabastecimento por motivos que vão além da compreensão”, conta a procuradora.

Os armazéns da Hemobrás têm 600 mil bolsas de plasma. Desse total, 20% vencem até o fim do ano. Mas as perdas já começaram. Desde 2016, 83 mil bolsas se perderam, o que provocou prejuízo de R$5,8 milhões.

Pelos cálculos de Sílvia, também houve desperdício de R$10,7 milhões no armazenamento de plasma entre 2015 e fevereiro. “Há inexplicável inércia do Ministério da Saúde. Ele afirma não haver empresas candidatas a fazer o fracionamento, versão totalmente distinta da apresentada pela Hemobrás, que garante ter candidatas”, completa a procuradora.

Nos primeiros meses da sua gestão, Mandetta iniciou os preparativos para a troca de três diretores da estatal nomeados no governo de Dilma Rousseff. Mas a movimentação foi interrompida em abril. Em quatro recomendações, a procuradora alertou que o afastamento de diretores não era um ato discricionário do ministro e que somente poderia ser determinado se comprovada a prática de atos ilícitos, indevidos ou falta grave.

Irritado com a determinação, Mandetta passou a fazer críticas em público contra a estatal, criada em 2004 para explorar o bilionário mercado de sangue no País e alvo de várias denúncias de corrupção, superfaturamento e erros envolvendo projetos de construção do complexo instalado em Goiana.

Desde que as obras da Hemobrás tiveram início em 2010, R$ 1 bilhão foi desembolsado e nenhum hemoderivado foi produzido. A pasta afirma ter iniciado um processo para a restruturação da estatal e um estudo para definir os programas direcionados para a empresa e para hemoderivados no País.

“As irregularidades foram inúmeras, várias investigações conduzidas. Mas agora a empresa está saneada. Tem créditos a receber”, afirma procurador do MP junto ao Tribunal de Contas da União, Marinus Marsico.

 

Comentários no Facebook

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here