Entrevista: Tite detalha estratégias e busca fórmulas contra ‘dor de cabeça

Tite no seu escritório em foto de arquivo – Fernando Lemos

Quando entrou na sala de trabalho do técnico da seleção brasileira, na sede da CBF, a reportagem do GLOBO deparou-se com um quadro tático que tinha dois times dispostos. Um deles, simulando um adversário da seleção, defendia-se com três zagueiros e dois laterais, formando uma linha de cinco homens, obsessão do treinador desde o dia 14 de novembro, quando o Brasil não furou a defesa da Inglaterra, que jogou com tal formação em Wembley. O outro time no quadro atacava num modelo similar ao do Manchester City. Confrontado com linhas de cinco defensores no Campeonato Inglês, o time de Pep Guardiola lidera com sobras o torneio e se tornou um dos modelos de Tite em sua busca por novas fórmulas, a menos de quatro meses da Copa do Mundo.

Isso. São dois jogadores para trabalhar “entrelinhas”, dois meias que não trabalhem atrás da linha da bola, mas que trabalhem dentro, entre as linhas de defesa do adversário. Que este (um dos pontas) dê amplitude (jogue bem aberto), ou este (o outro ponta). Como temos laterais de muita qualidade, construtores, não posso colocar Marcelo e Daniel na amplitude. São extremamente passadores. Não posso ferir o Dani para fazer assim (indica uma corrida para o fundo do campo). Mato ele no terceiro pique. Mas aqui (aberto na ponta) pode ter Willian, Coutinho, para tentar furar a linha de 5. O City usa bastante esses expedientes.

Eles têm enfrentado linhas de 5 com frequência no Campeonato Inglês…

E nós só enfrentamos uma vez. Um desafio nosso é esse. O externo (atacante ou meia que joga pelo lado) ou o lateral pode dar a amplitude. Minha preferência é assim (com o ponta aberto), porque temos o Neymar lá, que numa inversão de bola pega o marcador no um contra um.

Mas no PSG ele tem vindo muito armar pelo centro.

Ele tem variações de movimento. Contra o Real Madrid, quando o Mbappé veio para o meio do ataque, ele passou a se mover mais porque a bola não chegou tanto. Ele tem essa capacidade de flutuar (mover-se para o meio para armar o jogo) ou de jogar aberto. Conforme o adversário se posiciona, ele pode ficar mais aberto ou vir por dentro. Nos dois, ele é letal.

Você tem dedicado tempo a observar times que furam linhas de cinco? O City é um modelo, então?

Sim. Eles têm mecanismos. Finalização de média distância, por vezes ter dois atacantes enfiados: num jogo contra o Newcastle, o Kompany se machucou, Guardiola pôs Jesus ao lado do Agüero e fez do Fernandinho um zagueiro. E ficou com uma linha de 4 na frente. Fico projetando ter Firmino e Gabriel Jesus ali, com Coutinho e Neymar abertos, ter agressividade maior e dois jogadores para enfrentar (os três zagueiros centrais). Por quê? Para trabalhar com os meias. Seja Renato Augusto ou Paulinho com Casemiro, eles vão ter que trabalhar entre essas linhas. Não vão poder buscar aqui atrás. E temos levantado dados estatísticos sobre como times com linhas de cinco sofrem gols. Seja uma linha de cinco com outra de quatro homens à frente (com só um atacante), como o Newcastle fez contra o City. Ou uma linha de cinco com três homens à frente e dois atacantes (caso da Inglaterra contra o Brasil).

Mas e a alternativa com Willian aberto e Coutinho mais pelo centro?

Pode. Pode ser uma oportunidade de ver desde o início no jogo com a Rússia (dia 23 de março). Porque a Rússia tem linha de 5. Deixo o Willian para externo. Pensei em observar essa opção contra a Inglaterra, mas Coutinho estava voltando de lesão (jogou só 60 minutos).

A ideia dos meias avançados, pressionando os três centrais adversários é para criar infiltração na área? Abrir espaço no meio?

E gerar superioridade numérica. Estes jogadores aqui (aponta para os meias e atacantes entre as duas linhas de marcação rival) abrem linha de passe e aí vão fazer assistência para gol. Cria-se a opção de uma tabela curta. No City x Newcastle, o De Bruyne faz uma assistência para o Sterling entrar em diagonal e fazer o gol. Por isso é bom ter o Coutinho e mais jogadores assim, eles parecem que têm visão especial. Ter um armador que possa jogar aqui por dentro. Por isso estou buscando para a seleção um jogador assim, um Jádson, um Diego, um Lucas Lima. Para usar um termo do carnaval, estou buscando um ritmista. Um meia-armador, construtor, articulador. Que não venha aqui atrás buscar, que jogue aqui perto do camisa 9. Ter meias que trabalhem entre as linhas. No City, o Gundogan, que nem é tão clarividente quando enfrenta linhas de 5, joga ali (perto do 9). De Bruyne e Silva vão jogar ali.

Esta agressividade favorece também triangulações.

Veja o City. Se você pensar no Walker, que é o lateral, mais o Bernardo Silva, que tem jogado de extremo, e o De Bruyne, eles fazem um triângulo e ficam mexendo, trocando posições. A jogada entra aqui (no corredor perto da lateral da área) se mexerem de um lado a outro. O adversário pende seus zagueiros para um lado, em seguida você move rapidamente a bola, ou pega um Fernandinho que faça um lançamento para o lado oposto. É princípio do basquete. Balança a bola para um lado para explorar o outro. E estamos vendo, além do City, times que por vezes usam dois atacantes: a Juventus…

Quem você acha que vai enfrentar o Brasil com cinco defensores na primeira fase da Copa?

A Suíça já usou, a Costa Rica já usou. A Sérvia usou eventualmente. Mas, predominantemente, não usa.

Você já mergulhou nestes times?

Não. Está a cargo da equipe de análise. Mergulhei na Rússia e na Alemanha (rival em amistoso no dia 27 de março). E em ser justo na convocação de atletas.

Este ritmista pode ser o Coutinho?

Pode. Mas só tenho ele. Ou só o Renato Augusto. É bom ter outro que possa fazer isso e dar soluções. Lucas Lima, Luan, embora ele jogue num desenho diferente, com dois atacantes. Jádson, se voltar a grande nível. Preciso para 30 minutos, situações específicas. Você está perdendo, e os caras colocam a bunda lá atrás. É Hernanes? Não sei, é quem se apresentar e produzir. E procuro o que venha um pouco mais de trás, um Arthur, um Fred.

E o Oscar?

Difícil. Está na China e a experiência que teve aqui comigo… Ele não teve essa… (dá uma pausa). Não tem essa luz maior. Eu tinha uma esperança nele… Foram duas convocações e nos treinos, no jogo, apagou. Criei expectativa nele.

Os rivais da primeira fase te fazem prever 270 minutos de Brasil com a bola e o rival se defendendo?

A Sérvia tem uma proposta de procurar jogar mais. Está no DNA da escola iugoslava: triangulação, aproximação. Mas falo por tradição. A Suíça, sim, gosta e tem capacidade mental de ficar defendendo, encontrar solução na bola parada, num contra-ataque, numa jogada para pivô e chegada dos homens de trás. Quero ver a Costa Rica, se modificou em relação ao time que não perdeu em 2014.

Você imagina que os rivais olhem a seleção e pensem em explorar que pontos? As costas dos laterais?

O zagueiro do respectivo lado tem que ficar atento à cobertura de uma bola longa. É melhor que o zagueiro faça neste tipo de bola longa do que o volante. Não jogamos com dois laterais abertos na ponta, nos metros finais de campo. Eles são construtores numa zona mais intermediária. Para ficar aberto na frente, temos o extremo, principalmente pela esquerda, com Neymar, Douglas Costa. Eles vão explorar as costas do lateral que apoiar. Outra coisa: vão apostar muito em bola parada. Nas três últimas Copas, quando perdemos, o primeiro gol foi bola parada.

E virar jogos em Copa não é fácil…

Bem observado. Vou até buscar esta estatística. Jogos eliminatórios têm componente emocional muito forte. Mas eu estava cometendo um erro. Pensava no Mundial de Clubes, que disputei com o Corinthians, e dizia: “O primeiro jogo é nervoso, como contra o Al Ahly”. Aí o Fábio (Mahseredjian, preparador físico) me fez ver que é diferente. A Copa tem três jogos na primeira fase. Eu já estava me pressionando a ter que ganhar da Suíça. Calma, joga antes. Fui pegar a estatística. Com 9 pontos, claro que passa. Com 7, é 86% de ser primeiro, e nenhum jamais foi eliminado. Com seis, não garante, mas na pior das hipóteses disputa no saldo. Nenhum foi eliminado. Claro que precisa ganhar o primeiro jogo, mas calma.

Vai passar isso para os jogadores?

Eu estava pilhado. E sei que precisamos ganhar, mas vamos construir isso com mais tranquilidade. E o jogador precisa saber disso, porque é verdade.

Firmino é um 9 com características especiais, de se mover e abrir espaços. Como você o vê na seleção?

Vejo até mesmo junto com Jesus. Firmino é um camisa 10 que joga de 9. Preenche espaço e aprendeu a jogar de 9, um meia que pode jogar de 9. É Diego Souza, só que mais móvel. Diego é mais pivô. Está há bastante tempo em alto nível, leva vantagem. Mas trabalho com possibilidade um, dois, três e quatro, não descarto.

Houve Mundiais em que se criticou a falta de outros planos…

Por isso queremos trabalhar a alternativa com Willian aberto e Coutinho pelo meio. E a variação do ritmista. Ou a de ter dois na frente. Conversei com ex-atletas: Gerson, Zico, Rivellino, Cafu… foram unânimes em dizer: “Não faça na Copa do Mundo uma experiência que você não tenha usado antes. Gera insegurança muito grande. Gera dúvidas para a equipe.” Ali é exigência máxima.

E a experiência com Fernandinho na linha de meias? Pretende repetir?

Sim. Fernandinho fez um gol numa metida do De Bruyne, justamente na função que jogou contra a Inglaterra. O ponto de onde ele parte é a meia esquerda, adiantado. A origem dele é ali, ele pode fazer. Tem finalização de média distância e passe com muita qualidade. Ele pode fazer tanto a função de primeiro (vaga de Casemiro) quanto a do Renato Augusto. Sendo que o momento dele é de altíssimo nível.

Você vê Renato Augusto em momento de queda de nível? É físico ou técnico?

Sim. É técnico, não sei o quanto de físico tem. Mas ele não tem esse componente. Tem jogado numa linha de quatro no meio-campo, perto do primeiro meio-campista. E tem outra: o corte de referência passa a ser Fernandinho, ele pode estar jogando em altíssimo nível e o outro passar. Fernandinho está assim (faz um gesto de decolar).

Defina melhor o ritmista.

É o cara que joga entre linhas e, na primeira opção de passe, ele não dá. O cara faz outro movimento, ele ameaça e também não dá. Dá um timing para surgir a melhor opção. O David Silva é o exemplo claro, o protótipo, o passador. Ele consegue jogar em um, dois e até no terceiro tempo. Jádson faz isso, Diego faz isso. Perdeu mobilidade pelo tempo, mas aqui (aponta o campo) ele é foda. A camisa amarela não pesa nele. E pesa pra muita gente. Eu vibrei quando o Paulo César (Carpegiani) colocou ele na meia ao lado do Paquetá. Vibrei! Eles vão revezar numa zona de articulação, não fica como presa fácil.

Ou seja, o Flamengo te dá a observação na função que você quer…

Sim!

Ele te dá o passe que você busca?

O passe ele dá. Não me dá muita mobilidade, perdeu um pouco da agilidade, mas o passe ele tem.

Você deverá levar sete remanescentes de 2014. O que a experiência de uma Copa tão traumática acrescenta?

A experiência vivida, que você sente na carne, é diferente de algo contado. Você pode não ter a solução, mas sabe o que não deve fazer, você tira aquilo que pode te fazer perder.

O que já te fez perder?

Preocupação excessiva com o adversário, e não com o que a minha equipe pode fazer para atingir todo o potencial. Normalmente acontecia quando eu ia enfrentar times de maior poderio técnico. Se eu não pensar nas virtudes do meu atleta, no fim é só ver de quanto vamos perder. Quando eu treinava o Veranópolis, ficar pensando no Jardel, no Paulo Nunes… A essência é minha equipe; depois faz ajustes, busca diminuir a ação do adversário. Mas mantendo o padrão, a confiança da equipe.

Como está vendo a dificuldade inicial do Coutinho no Barcelona?

Absolutamente normal. Se ele fizesse o que o Paulinho fez… Aquilo para mim é anormal. Precisa de tempo de adaptação. O que aconteceu com o Paulinho eu não sei explicar. Talvez a condição física dele. O normal é a oscilação. É como o amadurecimento do PSG. Não é só juntar Neymar, Mbappé e Cavani e achar que vai ganhar tudo no primeiro ano. O City é um exemplo disso, precisou de um ano para a equipe ter a concepção que tem agora.

Como te afeta o resultado de PSG x Real Madrid? Uma eventual frustração pode abalar Neymar.

Eu respondo: e Marcelo e Casemiro do outro lado? Tenho que pensar em todos. O que vale para Neymar vale para Dani Alves, Marquinhos, Thiago Silva…

É que ele personaliza o projeto…

Ou as pessoas personalizam por ele? Ou as pessoas põem o objetivo individual dele acima? Ele quer sim, mas sabendo que precisa de um time que jogue pra caralho. Caso contrário, não vai chegar. Cristiano ganhou duas Champions, caso contrário não seria ele o melhor. Seria Messi.

No lugar do Neymar, você trocaria de time novamente ao fim desta temporada? Ou defende a continuidade?

Sou a favor da continuidade. Continuidade com competência. É um time grande, com potencial técnico. Precisa de tempo para maturar. Esta base vencedora do Real Madrid, há quanto tempo está junta?

Que rivais você quer nos amistosos de maio e junho, logo antes da Copa?

Enfrentar times que joguem com linha de 5, com níveis diferentes de exigência. Um com poderio técnico mais forte e outro médio. Gostaria de um terceiro jogo (no dia 27 de maio, após a primeira semana de treinos em Teresópolis. Haverá jogos nos dias 3 e 10 de junho, na Inglaterra). Mais de 90% dos convocados participam da Copa. Por vezes, em momentos decisivos. Conversando com Parreira, ele citou o Márcio Santos. Então, mesmo que ainda não tenha todos os jogadores, mesmo que eu coloque atletas que não vêm iniciando jogos, seria uma oportunidade. Mas observando a parte física, para não estourar. A preparação física pode dizer: “Não podemos liberar”. Mas eu vou continuar com três (risos).

Você pretende levar um atleta mais jovem e prepará-lo para o futuro?

Não. Para preparar tem eliminatórias, Copa América, clubes jogando Mundial. Cada um que se prepare, mas para levar para a Copa do Mundo eu não vou preparar nada. Quase 90% jogam.

Por que nos faltam “camisas 9″?

O que você considera um 9? O Fred? Essa é a visão da gente, no Brasil. De ser Fred, Ceifador, Jô. Mas essa geração dos pivôs a gente perdeu um pouquinho. Queria ter o Fred há três ou quatro anos, o Fred que enfrentei no Atlético-MG. Não sei, são safras. Tanto que o Grêmio foi buscar o Jael, improvisou Cícero, pôs o Luan de 9…

A gente sai de uma seleção que queria ser temida, mas que pode acabar sendo amada até mesmo se perder. É melhor ser temido ou ser amado?

Quero sempre a responsabilidade de ser amado. Tenho paixão pelo que faço e me remete a estar mais próximo de vencer. Quero carregar o peso de me botarem uma expectativa talvez maior do que eu mereça, mas me impulsione para a frente. Mas não me iludo. Sei que, se não vencermos, vou tomar pau pra caramba. Mas quero tomar pau com a equipe jogando bem. Aí vou ficar em paz. Digo a eles: quero desempenho, alegria, mas pagando o preço de ser agressivo para tomar a bola do adversário. Ninguém pode assegurar resultado, e pensar só nele te engessa, aprisiona. Tinha horas que ia dormir… “Se não classificar para a Copa do Mundo, tu vais trabalhar onde?” Mas saber que a equipe joga desta forma, ela me representa. Quero que a seleção jogue, agrida, triangule, tire onda, sinta prazer. Eles sabem que tirar onda é triangular.

gloedportes.com

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